Apresentação: o que é a Uma Lulik?
As uma lulik ou casas sagradas são bem mais do que uma edificação formalmente simples. As uma lulik são a expressão materializada do grupo familiar que representam, constituem a natureza do culto tradicional dos antepassados como cenário privilegiado da praxe ritual e das cerimónias. Além disso condensam, no espaço da sua estrutura arquitectónica, o entendimento do mundo dos timorenses, os valores sociais que presidem à vida da comunidade e à ordenação cultural da realidade. Como vestígio do passado particular no Estado democrático, as uma lulik encarnam uma estratégia activa de definição da identidade nacional. As casas sagradas simbolizam a nova liberdade, a democracia e a sustentação da Independência sobre a história e a tradição. São o emblema da continuidade entre passado, presente e futuro e a integração dos mundos ritual, sensível e social na concepção do espaço e da estrutura grupal.
A uma lulik representa a continuidade no tempo da uma lisan, a família no sentido amplo ou a linhagem na linguagem antropológica. Expressa o vínculo entre os antepassados, a geração actual e as gerações futuras. É o espaço para a celebração dos rituais e cerimônias que oferecem coerência interna aos grupos sociais. Também é o âmbito adequado para a comunicação e comunhão com os antepassados. Mas em si mesma, é a representação da ordem cosmovisiva. Trata-se de uma construção, mas sobretudo de um conceito ou ideia, aglutinadora de símbolos, matriz de significados transcendentes e materialização de conteúdos espirituais.
O acesso ao interior da casa costuma estar condicionado a uma série de regras fundamentais que devem ser observadas cuidadosamente, de aplicação ao estranho ou aos próprios membros da família. Estes requesitos, aplicados com maior ou menor flexibilidade, no marco sempre de uma casuística muito ampla, o que vêm sublinhar e enfatizar a ideia de tabu como elemento consubstancial da uma lulik. De facto a tradução da palavra lulik como tabu é a mais adequada para a compreensão do mundo das uma lulik, já que estas giram em torno de um conjunto normativo de proibições e preceitos que devem regular a vida social.
A exposição centra-se nas uma lulik do distrito de Ainaro. Estrutura-se em cinco secções que contemplam as diferentes dimensões das casas sagradas. Na primeira secção explora-se a ubiquação na geografia das casas sagradas e também a arquitectura exterior e interior, mostrando a variedade de morfologias presentes em Ainaro. Na segunda secção apresenta-se a cosmovisão timorense materializada nas uma lulik, a partir da ligação entre Cultura e Natureza, a devoção pelos antepassados e o culto tradicional. A terceira secção dedica-se ao entorno das uma lulik, onde hali e ai-to’os projetam a binômia simbólica pedra e madeira. Na secção quarta revisan-se as estruturas arquitetônicas das uma lulik. E por último, na quinta secção, contempla-se as uma lulik no contexto da arquitectura tradicional. O itinerário da visita proposto avança linearmente por estas cinco seções conforme o seguinte plano:
![]() |
![]() Imagem 36. O deska é uma peça de madeira disposta sobre as molduras que formam o espaço (helia teten) onde ficam os fogões da casa; apresenta diferentes buracos onde se depositam oferendas aos antepasados. Imagemgrafia de D. Palazón. |
![]() Imagem 37.O kabi’uda lulik caracteristico das casas do norte de Ainaro é o polo máis sagrado dentro do microcosmos que configura a uma lulik. Imagemgrafia de R. Estévez. |
![]() Imagem 38. Crianças em uma lulik. Imagemgrafia de D. Palazón. |